Friday, July 6, 2007

Raspa Raspa, como lhe chamam

(Cronica vencedora do Prémio de jornalismo Bento Carqueja /2007)

Figura típica de uma terra típica. Pessoa que cativa o meu e o olhar de todos os que passam por ele. As crianças gozam com o seu aspecto e a sua atitude. Outras crianças de idade adulta dão o exemplo aos seus descendentes. Aproveitam-se da sua inocência e humildade para se evidenciarem entre os outros “adultos”. Não sou diferente dos outros, apenas as minhas atitudes são diferentes e às vezes indiferentes, por isso o meu olhar e a minha atenção param quando passam pelo “Raspa Raspa”.

Que história tem este homem para nos contar? O seu dia começa cedo, às seis da matina pelo menos, pois a essa hora passo regularmente por ele quando saio do trabalho. De cigarro na boca (talvez o seu único prazer) caminha quilómetros. Tem um rosto assustador e de aspecto sujo e pobre; comenta-se que o homem possui uma fortuna em terras e dinheiro. Mas a sua família apropriou-se de tudo quando ele misteriosamente “enlouqueceu”.

A sua insanidade começou, dizem, na idade de ingressar no serviço militar. Ser soldado era o seu sonho, ir para a guerra o seu objectivo. Grande foi o seu espanto quando soube que lhe pagaram a reserva territorial e o impediram de concretizar o seu sonho. O que se passou a seguir qualquer um pode deduzir. Um esgotamento, uma “cisma” que é pior que uma doença, o certo é que Adolfo Correia deixou de viver na nossa realidade, e criou o seu próprio mundo imaginário.

Vive agora como pedinte de esmolas e cigarros. Este peditório diário é a sua ocupação, porque necessidade não tem, pois a sua família tem a decência de o alimentar e albergar pela noite. Decência mínima, porque se a fortuna era tão grande como dizem, talvez pudesse fazer mais por este homem.

“Raspa Raspa”! Porque lhe chamam assim? Esta dúvida percorreu-me quando o vi a primeira vez. Dúvida de imediato esclarecida. É que sempre que lhe davam uma moeda, Adolfo Correia, cantarolava e dançava o “raspa”, canção popular cuja origem desconheço.

“Coitado!”, dizem todos. “Infeliz!”, dizem alguns. Adjectivam-no assim, para não se verem reflectidos na sua imagem, escondem-se nele, os loucos, os coitados e os infelizes… nós. Somos todos melhores do que os outros, e piores do que ninguém, o certo é que Adolfo Correia vive e deixa viver!

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