Raspa Raspa, como lhe chamam
(Cronica vencedora do Prémio de jornalismo Bento Carqueja /2007)
Que história tem este homem para nos contar? O seu dia começa cedo, às seis da matina pelo menos, pois a essa hora passo regularmente por ele quando saio do trabalho. De cigarro na boca (talvez o seu único prazer) caminha quilómetros. Tem um rosto assustador e de aspecto sujo e pobre; comenta-se que o homem possui uma fortuna em terras e dinheiro. Mas a sua família apropriou-se de tudo quando ele misteriosamente “enlouqueceu”.
A sua insanidade começou, dizem, na idade de ingressar no serviço militar. Ser soldado era o seu sonho, ir para a guerra o seu objectivo. Grande foi o seu espanto quando soube que lhe pagaram a reserva territorial e o impediram de concretizar o seu sonho. O que se passou a seguir qualquer um pode deduzir. Um esgotamento, uma “cisma” que é pior que uma doença, o certo é que Adolfo Correia deixou de viver na nossa realidade, e criou o seu próprio mundo imaginário.
Vive agora como pedinte de esmolas e cigarros. Este peditório diário é a sua ocupação, porque necessidade não tem, pois a sua família tem a decência de o alimentar e albergar pela noite. Decência mínima, porque se a fortuna era tão grande como dizem, talvez pudesse fazer mais por este homem.
“Raspa Raspa”! Porque lhe chamam assim? Esta dúvida percorreu-me quando o vi a primeira vez. Dúvida de imediato esclarecida. É que sempre que lhe davam uma moeda, Adolfo Correia, cantarolava e dançava o “raspa”, canção popular cuja origem desconheço.
“Coitado!”, dizem todos. “Infeliz!”, dizem alguns. Adjectivam-no assim, para não se verem reflectidos na sua imagem, escondem-se nele, os loucos, os coitados e os infelizes… nós. Somos todos melhores do que os outros, e piores do que ninguém, o certo é que Adolfo Correia vive e deixa viver!
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